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Bruno Novaes parte da inserção e observação das relações que se dão no espaço escolar. Tensiona as práticas de artista e educador e constrói materiais e documentos que reapresentam narrativas que se chocam e se confundem entre ficção e realidade. Deste modo, imagina o corpo de trabalho como o acervo de uma escola de faz-de-conta. Diários de classe, manuais de conduta, conversas de corredor se misturam aos móveis, corpos, notas e memórias. Brincar de escola. Brincar na escola. É neste processo que vem produzindo e pesquisando.

 

No pátio do CCSP, instala-se uma lousa pivotante dupla face, que convida o público a escrever, desenhar e comunicar. Porém cria certa impossibilidade caso não tenha outro participante do outro lado. Assim, o trabalho acontece a partir do encontro entre duas pessoas que estão circulando pelo espaço expositivo e que podem ou não se conhecer. Como num recreio, esse lugar é norteado pelas ideias de ação e de pausa. Como ação é o exercício do acordo silencioso entre as partes que se relacionam por cada uma das faces da lousa. Ponto de contato e imaginação, que ultrapassa o quadro e o giz e envolve a tensão entre os corpos. Como pausa, é um demorar-se lúdico na força que reside no jogo. Um tempo de brincadeira, que se suspende e caminha contra a velocidade da sociedade de desempenho atual, que nega tudo o que é vinculativo.
 

O intervalo pode ser onde os alunos experimentam seu tempo e afeto - longe de hostilidades da sala de aula. Deslocado para fora dos muros da escola, acaba por iluminar os aprendizados de um currículo oculto, tirando-os de áreas opacas. Assim, repensa a própria escola e o ambiente escolar. Neste lugar do jogo e da brincadeira, como aprender consigo e com o outro? Será imprescindível estar em apenas um dos lados do muro? bell hooks, no livro “ENSINANDO A TRANSGREDIR A EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE”, descreve, no modo de um diário epistêmico, a escola como lugar de liberdade. Partindo do princípio de direitos de construção democrática e espaço de inteligências plurais, entendendo a escola como o lugar de encontros e construção de ferramentas políticas. (Como as escolas poderiam então valorizar homens e mulheres cujos valores a sociedade despreza ativamente? questionamento que o escritor TA-NEHISI COETES faz no livro “ENTRE O MUNDO E EU”). O ambiente escolar talvez seja mais um código de conduta de embranquecimento estético e epistêmico, que afeta decisivamente os corpos das crianças e adolescentes. E por quem ele foi pensado? Para quem e para quê? Quem escreve os seus manuais e códigos? Que imagens ilustram suas cartilhas? Que histórias escolhem contar ou não? Conhecer ou ignorar. Sucumbir ou imaginar. Nas palavras de Virgínia Woolf: o que é a realidade e quem são os seus juízes?
 

Acreditando no ato de acreditar é que inventamos novos horizontes utópicos. Espaços habitados por uma imaginação política para fabularmos outros presentes e futuros. Uma fresta se abre e é preciso cada vez mais perceber o outro pelas suas diferenças. Sem diálogo, a escola se fecha. De um dos lados do muro, Bruno nota talvez uma garantia de mudança ao ver uma nova geração de alunos se movimentando de forma diferente da qual o mesmo experimentou quando jovem. Do outro lado, há provas para que ele desconfie de si. Como garantir uma educação justa e igualitária quando determinados corpos já nascem suspeitos, acusados e condenados? Seja pela experiência ou pela fantasia, intervalo ergue aqui uma parede, abre uma trincheira, se instala entre duas pessoas, mas não nega nenhum dos dois lados. Deles depende em acordo mútuo. Em equilíbrio. Como duas partes de uma mesma realidade. Assim, também aconteceu o processo de escrita desse texto. Em um convite como experiência. Construído, peça a peça, por quatro mãos e duas cabeças - de corpos e histórias distintas.
 

Ao ter acesso a obra “INTERVALO” que será exposta no CCSP, achei interessante pensando na proposta da obra, de convidar o ARTISTA Bruno Novaes a escrever juntxs o texto. Portanto, o texto pensado juntxs é o texto em negrito. Onde o pensamento em conjunto é atravessado em ideias e afetos distintos, como o ambiente escolar, principalmente no momento de intervalo.

 

Fico pensando nas palavras que eu e BRUNO, ou que cada um escolhe para compor o texto em negrito, talvez o ambiente escolar ainda para pessoas brancas é o lugar de fuga e usa palavras como utopia ou fábula, para pensar outros afetos ou futuros.
 

No meu caso, em primeira pessoa, a escola como vivência, não pude fabular ou talvez ter esse momento branco cis, de dialogar ou fantasiar.

 

Compartilho muito de uma passagem do livro “ENTRE O MUNDO E EU” do escritor TANEHISI COETES, onde o mesmo descreve o pensamento ou a escrita branca como, `descobri que palavras vagas e inúteis não estavam separadas de pensamentos vagos e inúteis`. pag 59.
 

O texto em negrito, como a lousa que será esse lugar de encontro, com a obra “INTERVALO”, sujeitxs estarão dispostos a compartilhar cada um de um lado da lousa trazendo seus afetos. Como seria após o ativamente da obra, mudarem de lado e cada um dos sujeitxs ler o que o outro escreveu? Será lindo esse encontro dessa forma também. Deixo um texto escrito por mim em 2020, sobre reflexão do texto em negrito onde eu e BRUNO lançamos algumas perguntas.
 

O ambiente escolar talvez seja mais um código de conduta de embranquecimento estético e epistêmico, que afeta decisivamente os corpos das crianças e adolescentes. E por quem ele foi pensado? Para quem e para quê? Quem escreve os seus manuais e códigos?
 

TIROCÍNIO.
Como dizer que o estado está comprometido com a igualdade perante a lei e educação? Sendo que o estado brancxcis governa pelo medo, pelo ódio e pelo
preconceito e não pela justiça e educação. Portanto, onde a justiça e educação é brancxcis, não temos como dizer que é justa. Ao acontecer dessa forma, pessoas não brancxs e não cis no contexto do brasil já nascem suspeitas, acusadas e condenadas. Sendo que a lei e a educação BRANCXCIS é um sistema de embranquecimento, cárcere, genocídio e epistemicídio.

 

Diran Castro

Grupo de crítica

30º Programa de exposições do Centro Cultural São Paulo

Estudo sobre o silêncio

2020

aquarela e grafite sobre papel

90x60cm

Intervalo

2019

pigmento mineral sobre papel algodão

60x90cm

Intervalo

2020

ardósia, peroba, giz branco de lousa e participação do público

120x100x60cm

confecção: Gustavo Lourenção

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